04 agosto, 2009

....."...Tarde de Outono. No silêncio do fim de tarde, os seus passos sob o asfalto ecoam ao longe. Nas árvores e pelo chão abundam folhas de variados tons de castanho, que por vezes voam alguns metros levadas pelo vento. No ar paira uma serenidade eterna e no seu silêncio há tranquilidade e doçura. Não são necessárias palavras. Palavras para quê? Tudo o que pode ser dito, a partir de certa altura, passou a ser irrelevante dizer, pois a sua comunicação é empática, passando pela cumplicidade e pelo sentir as experiências de uma forma quase simbiótica. O perfume do fim de tarde de outono sempre foi inconfundível, deixando deliberadamente para trás a azáfama e as loucuras do verão. Porque será que chamam férias às fugas? Os seus lábios ostentam um sorriso que parece de plástico, no contexto da sua expressão séria e concentrada. À medida que avança sente a leveza de poder desprender-se de si própria, de poder existir sem o peso do mundo, sem memória, sem as gaiolas nem as correntes da realidade. Esta hora é só sua e por agora não existe mais ninguém no mundo, não há passado nem futuro. A sua concentração no momento é total. Um pequeno pássaro saltita pela estrada e voa subitamente para um tronco de árvore, chilreando alegremente. Um jovem gato branco surge do nada e dá uma corrida para os arbustos. O prazer consiste também em todos os detalhes registar sem nada alterar. Tem por hábito intervir activamente na vida e no mundo, no entanto há momentos em que gosta apenas de saborear o mundo a expandir à sua volta. De se deixar levar e não resistir nem pensar. Neste momento é feliz. Um desses raros e preciosos instantes. Há momentos únicos, como chorar nos braços de alguém que também chora, sentir um abraço forte quando se está prestes a desistir e desintegrar, uma mão acariciando uma face, o prazer de saber que ninguém no mundo sabe de nós, a exuberancia inicial da fuga, o calor de um beijo, as cores da natureza que nos tiram o fôlego, o vento forte que tudo leva e tudo trás, os olhos de alguém a sorrirem. Segue assim, passeando pelo jardim, aparentemente desatenta a tudo o que a rodeia, longe deste mundo, olhos sempre postos no chão, só ocasionalmente fitando um ponto inexistente no espaço enquanto continua a andar lentamente. Não percebe se está cá ou não, assim como nunca sabe se de facto mente ou diz a verdade, se tem fome ou se sente dor. Passa horas a fio no seu silêncio e de repente invade todo o espaço disponível com a sua prosa profusa, rápida, crua e mordaz, mudando rapidamente de um para outro tema sem qualquer aviso prévio. Domina-o e satura-o, deixando-o exausto e desorientado com tamanha explosão, ficando porém impedido de reagir por uma força qualquer que dela emana, como se qualquer sussurro, qualquer murmúrio ou qualquer gesto mais crítico salientasse a sua imensa fragilidade e fizesse com que ela desaparecesse como poeira levada por uma rajada de vento...".....

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